Article published at the Plataforma Magazine


Os Transportes nos Blocos Econômicos

by Ricardo Marar and Joaquim Aragão

A reformulação do papel do Estado na economia vem incidindo praticamente sobre todos os setores das economias nacionais, mais notável, porém, nos setores em que a presença do Estado vinha sendo tradicionalmente mais incisiva. O setor de transportes representa um desses setores, o qual vem sendo objeto de profundas alterações em seu arcabouço jurídico-institucional, particularmente nas duas últimas décadas, em vários países do mundo.

Shepherd (1984) mostra que a tendência contemporânea de aglutinação de economias nacionais em Comunidades e a marcha rápida da globalização econômica vieram por em xeque a desarticulação - ou o caráter predominatemente autárquico - das políticas públicas dos países integrados em mercados internacionais, passando portanto a requerer, no âmbito de cada comunidade de nações, dois tipos de esforços:  em primeiro lugar, os de compatibilização de quadros regulatórios distintos em cada país membro, situação incompatível com o princípio de construção de mercados comuns; em segundo lugar, os esforços de construção de instituições, políticas e diretrizes comunitárias voltadas a homogeneizar as condições sociais e econômicas de participação dos mercados integrados.

O caso da construção da União Européia assinala, segundo Banister e Berechman (1993), que o setor de transporte é talvez aquele em que estas duas vertentes de reformulação regulamentar - a intranacional e a supranacional - atuam sinergicamente de forma mais flagrante, caracterizando o setor como um elemento chave do processo de edificação das comunidades supranacionais.

Button e Pitfield (1991) ressaltam a importância dos transportes no processo de integração econômica comunitária, destacando como fatores causais da relevância do setor: a própria significação dos transportes como elemento indispensável à concreção dos fluxos de passageiros e mercadorias decorrente da perseguida interpenetração de mercados; a importância econômica do setor em termos de geração de renda e indução ao desenvolvimento, bem como seu papel na redução dos custos globais de produção e distribuição de bens pela geografia comunitária; o caráter fechado dos mercados regionais de transporte no período anterior ao desencadeamento do processo de integração econômica; e por fim, a importância do setor na melhoria de qualidade de vida das populações.

É fácil concluir então que os últimos vinte anos testemunharam para os transportes em todo o mundo intensas e vigorosas transformações, na medida em que cada país se defrontava com a necessidade de reformar profundamente as relações Estado e mercado nos subsetores de transporte, concomitantemente à necessidade de adaptar as políticas públicas vigentes no setor às exigências postas pela integração nacional à economia comunitária (Tyson, 1994, para o transporte público de passageiros em superfície e  Dodgson, 1991, para o caso do transporte aéreo).

Este conjunto de transformações recente na regulamentação setorial, especialmente no âmbito da Europa Comunitária onde se produziram experiências e avanços significativos nas duas direções já mencionadas, deu origem a uma rápida evolução teórico-conceitual na Economia dos Transportes - uma vez que processos de reforma regulatória como os introduzidos na Grã-Bretanha,  Escandinávia e Península Ibérica permitiram o desenvolvimento de estudos sobre o comportamento econômico dos vários subsetores de transporte ante uma presença diferente do Estado na atividade (Berechman, 1993), ao mesmo tempo em que impunha uma profunda revisão no Direito e na organização e administração dos transportes face  à introdução de novas instâncias supranacionais de elaboração de políticas, de financiamento, de operação, coordenação e controle (OCDE, 1990).

Voltando para nossas paragens: em se tratando basicamente da regulamentação da economia em um espaço multinacional regional, o desenvolvimento do Mercosul trará consigo implicações profundas para o setor de transportes  que tem por função a viabilização das interações espaciais entre os agentes econômicos de sua comunidade. Entretanto, ao mesmo tempo que o transporte é um setor essencial para o desenho do mercado comum, sua regulamentação comunitária é uma das mais complexas e prenhe de conflitos de interesse. No caso da União Européia, foi ele que ofereceu mais resistência às regras gerais de abertura de mercado.

Ora, quando o Estado fecha o  mercado, qualquer que seja sua razão fundamentalmente bem-intencionada e, até, inafastável, tal fechamento tem via de regra contribuído para a consolidação de uma casta de empresas regulamentar ou contratualmente protegidas, as quais, a certa altura, passam a dominar o processo de regulamentação. Acontece, porém, que a edificação de comunidades econômicas plurinacionais tem como um dos corolários a integração e, até certo ponto, a  abertura mútua de mercados nacionais. Evidentemente, no setor de transportes, a comunitarização das atividades coloca diretamente em cheque as estruturas corporativas dos países membros, construídas na sombra das regulamentações nacionais.

De uma forma geral, para as empresas, sua integração em um mercado plurinacional comum traz consigo riscos e oportunidades. As empresas com baixo nível de modernização e competitividade, que vêm se mantendo graças à regulamentação restritiva, vão encarar com grandes preocupações sua integração. Já as de maior competitividade conseguirão prever oportunidades de expansão em mercados estrangeiros.

Assim sendo, a construção de um mercado comum constitui um processo complexo de negociações, que se arrasta por décadas, que deverá ser preparado por estudos abrangentes e profundos sobre as diversas matérias componentes do problema. Para tanto, a comunitarização do setor de transportes exige tal preparação, tornando necessária a realização de um grande número de estudos.
 


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Last updated Oct '98
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