Paper presented at the IX CLATPU


A NOVA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE LICITAÇÕES E CONCESSÕES E SUAS CONSEQÜÊNCIAS PARA O SETOR NACIONAL DE ÔNIBUS URBANO

 

by Joaquim Aragão, Anísio Brasileiro and Ricardo Marar


As Empresas Brasileiras de Ônibus Urbano

Como elas cresceram tanto?

A nova Era

Há, hoje, real competição no transporte público urbano brasileiro?

O que podemos esperar, agora?

Bibliografia
 



 
 

As Empresas Brasileiras de Ônibus Urbano

Uma característica marcante nas cidades brasileiras é a presença de grandes empresas operadoras de transporte coletivo urbano, que em parte apresentam níveis consideráveis de modernização gerencial. É uma situação bem diferente da observada nos países limítrofes, onde o transporte público urbano é dominado por empresas menores, embora se possa observar o surgimento recente de um empresariado moderno na Argentina e no Chile.

No Brasil, contam-se cerca de 2000 empresas de ônibus urbano. Apenas em São Paulo, 38 empresas operam uma frota de 8000 veículos, transportando mais de 70% da demanda. Já no Rio de Janeiro, 66 companhias operam 11.000 ônibus. Em Belo Horizonte, por sua vez, 77 empresas operam 3900 veículos, transportando mais de 2 milhões de passageiros em um dia típico de semana. Por fim, em Recife 19 companhias (sendo uma delas pública) operam cerca de 2000 ônibus, transportando mais de 1,8 milhões de passageiros, em um dia típico de semana. Tais dados se referem ao ano de 1990 (Brasileiro 1996a).

O grau de modernização dessas empresas é refletido nos seus recentes esforços em vários campos. Desde o início da década de 80, várias empresas vêm contratando profissionais especializados (engenheiros, economistas, juristas, psicólogos, etc.), os quais foram encarregados de realizar tarefas gerenciais importantes, tais como a seleção e o treinamento de pessoal, representar as empresas junto aos órgãos de gerência, especialmente no momento de se decidirem tarifas, itinerários e tabelas horárias, entre outros aspectos. Nesse contexto, as empresas não vêm contratando apenas administradores e engenheiros recém-ingressantes no setor, mas também quadros das próprias administrações públicas, que estariam à procura de uma melhor remuneração ou condições de trabalho mais estimulantes (uma vez que cotidiano profissional em um órgão público pode ser extremamente frustrante em virtude da falta de continuidade das políticas e das interferências políticas no planejamento de transportes).

Outras medidas de modernização são o uso intensivo de computadores e sistemas de informação, assim como a paulatina introdução de relações trabalhistas mais modernas (abandonando-se as relações tradicionais, de cunho paternalista). Tais processos se intensificam, na medida em que as novas gerações de sucessores substituem as gerações dos fundadores, sem dúvida heróicos, porém tecnicamente nem sempre atualizadas. Mais recentemente, diversas empresas vêm sendo administradas por profissionais sem nenhum vínculo de parentesco com os fundadores. Tal tendência haverá de se aprofundar, na medida em que as empresas isoladas sejam adquiridas por grupos maiores de empresas, no contexto de ambiciosos planos de expansão destas. Por fim, as empresas maiores tendem a diversificar suas respectivas bases de operação, passando a operar em diversas cidades e/ou também em outros setores do transporte público (transporte de turismo, escolar, interurbano, etc.), ou até a atuar fora do setor de transportes (agências de turismo, setor imobiliária, comercialização de veículos, etc.).

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Como elas cresceram tanto?

O surgimento do atual setor de ônibus urbano, vigoroso, pode ser considerado como um produto da crise do bonde, que se deu nos anos 50. No Brasil, o sistema de bonde fora edificado a partir do final do século 19, com lastro em concessões outorgadas, pelos poderes locais,  à iniciativa privada (via de regra, de origem estrangeira, sobretudo do setor elétrico, tal como no caso da Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Co., de capital canadense). Tais companhias gozavam de liberdade quase que plena para definirem itinerários e tarifas. Durante a década de 30, o transporte rodoviário iniciou sua trajetória de sucesso, embora que as primeiras linhas de ônibus ainda pertenciam às empresas de bonde. Assim sendo, as empresas de eletricidade permaneciam dominando monopolisticamente o cenário do transporte público urbano.

Na verdade, a crise do sistema de bonde se iniciou na década de 50, quando o Poder Público começou a introduzir o controle de preços. Com o crescimento rápido das áreas metropolitanas, o mercado do deslocamento urbano modificou-se significantemente, exigindo uma tecnologia de transporte mais flexível e rápida. Em função da falta de interesse, por parte das empresas de bonde, em continuarem operando os sistemas antiquados, os Poderes Locais os estatizaram; contudo, as (novas) empresas públicas nunca adquiriram capacidade para adaptarem prontamente seus serviços à nova geografia do mercado (Brasileiro 1996b).

Assim sendo, entrou um novo ator no cenário, que era o operador rodoviário artesanal, com suas frotas pequenas de veículos de baixa capacidade (muitos operadores possuíam apenas uma pequena ?jardineira?).  Contudo, esses operadores começaram a oferecer uma concorrência acirrada às empresas oficiais, e em meados da década (de 50), as Administrações locais resolveram interferir nesse novo sistema de transportes, impondo uma regulamentação econômica.

Há de se observar, entretanto, que, durante a segunda metade daquela década, o Brasil iniciou a edificar sua indústria automobilista, com lastro em pesados investimentos por parte de montadoras estrangeiras. Assim sendo, a decadência do bonde era visto como um fato até conveniente para a política industrial vigente, e diversas campanhas começaram a desmoralizar o antigo sistema de bonde (?símbolo do atraso?; ver Stiel 1984)

Um novo quadro jurídico previa para o Poder Público amplas competências no tocante ao planejamento e ao estabelecimento das tarifas. Os operadores passaram a gozar de uma simples permissão, em uma linha definida. Com relação aos operadores públicos, seus sistemas de bonde foram paulatinamente substituídos, primeiramente por tróleis, e finalmente por linhas de ônibus. Mas as empresas continuaram a vegetar, processo esse de quando em vez interrompido por políticas de regeneração, sucedidas novamente por períodos de ostracismo.

Era esse um sistema que preenchia plenamente as necessidades dos Poderes Públicos locais, os quais detinham um instrumento flexível para definir a oferta de serviços de transporte público (as permissões eram consideradas como ?precárias?, e podiam ser modificadas ou suspensas dentro das conveniências das autoridades), dispensando pesados investimentos públicos.

Enquanto isso, as prioridades de investimentos residiam nas vias expressas e grandes avenidas urbanas, tudo de acordo com a política industrial que favorecia o transporte individual. Nesse momento, a oferta dos serviços de transporte público com lastro em uma miríade de pequenas empresas passou a ser inconveniente, na medida em que prejudicava a fluidez e a segurança do trânsito. Em conseqüência, as autoridades locais começaram a impor o uso de veículos maiores, e os operadores foram virtualmente forçados a se fundirem mutuamente, gerando empresas de maior porte (Brasileiro 1996b).

Foram a deterioração das condições de tráfego e, depois, a crise do petróleo que produziram     uma virada na política brasileira de transporte público urbano. Até então, o transporte público urbano foi considerado e tratado como assunto meramente local, não se admitindo interferência (nem suporte) por parte do governo federal. Contudo, a partir de 1975, a União tomou, pela primeira vez, a iniciativa de implementar uma política nacional de transporte urbano, que incluía pesados investimentos em sistemas de transporte público e a capacitação dos Poderes Públicos locais, especialmente para fins de planejamento e cálculo de tarifas. Já para as então recém-definidas Regiões Metropolitanas, a política federal estabeleceu a edificação de organismos metropolitanos (Empresas Metropolitanas de Transporte Urbano - EMTU?s), sujeitos à supervisão dos governos estaduais, e aos quais os poderes municipais eram instados a outorgar suas competências com relação ao transporte municipal. Na verdade, poucas dessas entidades conseguiram ser implementadas, e a maior parte delas não conseguiu sobreviver.

No que tange as empresas de ônibus, essas foram induzidas a incrementar seu processo de concentração, na medida em que os Poderes Públicos, sobretudo nas Regiões Metropolitanas, passaram a impor limites mínimos de frota mais altos (100, ou até mesmo 200 veículos). Por outro lado, as permissões outorgadas às empresas, maiores, deixaram de ser consideradas como um instrumento precário. Especialmente o Judiciário passou a considerar o vínculo permissionário como equivalente ao de uma concessão, especialmente se ele vinha aposto de um prazo determinado (doutrina da permissão "qualificada"  ou "condicionada";  ver Meirelles 1993).

A partir da década de 80, o Brasil ingressou um longo período de crise, e o Poder Público, severamente endividado, não conseguiu mais atender as necessidades de investimento. O Governo Federal praticamente se retirou por completo da cena do transporte urbano. Porém, na medida em que o processo hiperinflacionário começou a produzir revoltas populares contra os constantes aumentos das tarifas, o Governo Federal, quase como uma ato de despedida, promulgou a Lei do Vale-Transporte, obrigando todo empregador a se responsabilizar pelos gastos de transporte público de seus empregados, e estes, como contrapartida, contribuiriam apenas com 6% de seus salários.

O processo induzido de concentração, e também o subsídio dos serviços pelos empregadores de outros setores consolidaram de vez o desenvolvimento das grandes empresas de ônibus, tudo isso facilitado pelo virtual abandono dos Poderes locais pelo Governo Federal. Na verdade, as empresas passaram a controlar, de fato, a política de transporte público em muitas cidades, para o que em muito contribuiu a edificação de um sistema poderoso de associações empresariais locais, de federações regionais e de uma confederação nacional, a NTU.

A estabilidade das estruturas empresariais locais tem sido garantido pela ausência de competição. Como será apresentado mais adiante, a maior parte das empresas atuais, que surgiram dos antigos operadores artesanais, raramente se submeteu a um processo licitatório. Suas concessões resultam de antigas permissões precárias, as quais têm sido repassadas para as companhias sucessoras durante os diversos processos de fusão. Além disso, diversos regulamentos locais (p.ex. o de Recife) chegam a dispensar, até hoje, as empresas já presentes (?do sistema?) de processos licitatórios, prevendo sua aplicação apenas para empresas ?novas? (isto é, forasteiras). E mesmo em algumas cidades, onde os operadores atuais assumiram a concessão pela via de um processo licitatório, estes raramente podem ser considerados como realmente competitivos (em termos econômicos), pois os critérios de avaliação e pontuação das propostas costumam considerar apenas critérios ?qualitativos? (p.ex., idade média da frota), os quais têm uma relação por demais tênue com mensurações efetivas de eficiência.

Contudo, tal sistema empresarial está sendo atualmente desafiado por uma série de fenômenos: a) o crescimento de um setor informal de transporte público urbano, como co-produto da crise social crônica, mas também de uma insatisfação dos usuários com a qualidade do serviço (NTU e ANTP 1997);  b) a promulgação da nova legislação de concessões e licitações,  que impõe a aplicação de critérios de seleção de propostas de natureza econômica, acirrando a competição econômica; e c) a fuga maciça para o transporte individual, em função da nova política industrial com relação ao setor automobilístico, a qual abriu o acesso ao carro particular para um novo e volumoso segmento social (digamos, a classe média baixa).

Na seção seguinte, dedicamos espaço para a análise e avaliação da nova legislação de licitação e contratos de concessão, elemento esse que pode assumir um papel importante na próxima fase do desenvolvimento do setor brasileiro de ônibus. Esse novo quadro legal tem por um dos princípios básicos a competição, não em sua forma aberta de competição nas ruas, e sim na forma de uma competição pelo direito de operar de uma forma temporariamente monopolística. Portanto, a nova legislação brasileira mantém a regulamentação dos setores de serviços públicos, se recusando a acompanhas as políticas de desregulamentação experimentadas em algumas cidades latino-americanas e no Reino Unido; entretanto, algum comportamento de mercado é minimamente simulado pelo caráter competitivo dos procedimentos licitatórios (Aragão, 1997, Cox et al. 1997, Galister e Cox 1991).

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A nova Era

O Direito Administrativo (e Constitucional) Brasileiro, inspirado no Direito congênere francês, compreende o transporte público coletivo como serviço público (art. 30, V da Carta Nacional); ver Aragão e Marar 1996). Por esta concepção, a oferta do transporte público é reconhecida como de responsabilidade do Poder Público, não obstante sua execução possa ser delegada à iniciativa privada mediante  ?contrato administrativo?. Nesses contratos, as Administrações Públicas mantêm as competências de planejar o serviço e de determinar as tarifas (concebidas como ?preços públicos?); elas retêm o poder de alterar os termos contratuais e até de suspendê-los, conforme demanda o interesse público. Por outro lado, a companhia contratada têm o direito reconhecido a um equilíbrio econômico-financeiro, assim como à constância do objeto do contrato (isto é, a empresa não pode ser forçada a executar atividades estranhas ao escopo do contrato; ver Aragão 1998, Bandeira de Mello 1995).

Essa doutrina foi mais uma vez consolidada pela Constituição de 1988. O direito ao equilíbrio econômico-financeiro nos contratos administrativos está resguardado no art. 37, XXI, que prevê que tais contratos devem ?incluir cláusulas que estabelecem as obrigações de pagamento [da Administração Pública], mantendo-se as condições efetivas da proposta [tais como apresentadas na licitação; complemento dos autores]? .

Tal prescrição constitucional foi detalhada pela Lei da Licitações e dos Contratos Administrativos (Lei n( 8.666/93). Por esse diploma, a competência do Poder Público de alterar e revogar unilateralmente os contratos, de controlar seu cumprimento pela empresa contratada, e também de aplicar sanções contra a mesma, está confirmada pelo seu a art. 58. Por outro lado, qualquer modificação das condições monetárias e econômicas do contrato depende de consentimento por parte do contratado. A empresa contratada tem de aceitar qualquer redução ou aumento do escopo do contrato, até uma percentagem limite de 15% do volume inicial.  A Lei detalha as regras para os procedimentos licitatórios, as responsabilidades das partes contratante e contratada, as condições para a extinção dos contratos, como também diversos outros aspectos relevantes para sua execução.

Os contratos celebrados entre as autoridades e as empresas se inserem em uma categoria especial dos contratos administrativos, que são os ?contratos de concessão?.  Esses estão regulamentados em uma lei especial (Lei n( 8.987/95, a dita ?Lei das Concessões?). O traço distintivo mais marcante do contrato de concessão é que os custos e os investimentos não são recuperados por um pagamento direto pela autoridade contratante, mas sim pelas receitas tarifárias arrecadadas dos usuários do serviço concedido (Bandeira de Mello 1995). De uma forma geral, as normas da Lei das Licitações e dos Contratos Administrativos permanecem vigentes para as concessões, enquanto não houver norma específica da Lei das Concessões que disponha ao contrário (princípio da prevalência da norma específica sobre a geral). Podemos resumir da seguinte maneira as principais diferenças entre as duas leis:

Há de se ressaltar que o principal objetivo da Lei de Concessões foi a introdução de um regime efetivamente competitivo (em termos econômicos), e que os critérios de seleção previstos constituem o instrumento central para assegurá-lo. Pelo que, o processo licitatório passa ser o principal momento da competição, merecendo, portanto,  uma consideração mais detalhada.

Pela doutrina do Direito Administrativo, o procedimento licitatório deve assegurar o caráter competitivo, maximizando os ganhos econômicos e financeiros da Administração, contudo também a moralidade e objetividade do processo, produzindo barreiras contra favoritismos e até corrupção (Bandeira de Mello 1995, Wald et al. 1996). Pela Lei das Licitações, o processo licitatório sujeita-se aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa, plena observância dos termos do edital e de julgamento objetivo.

Uma preocupação especial da legislação é de evitar a utilização, no edital,  de cláusulas discriminatórias desnecessárias, que prejudiquem o caráter competitivo do procedimento. Por isso, a Lei das Licitações proíbe a inclusão de pré-requesitos para a participação que não sejam estritamente necessários para a execução apropriada do contrato. O processo está igualmente sujeito a auditagem pública (principalmente mediante audiências públicas e a garantia de acesso público aos documentos produzidos pela comissão de licitação), e eventuais irregularidades podem ser apontadas por qualquer cidadão, quer participe ou não da licitação.

Pela Constituição, a licitação é, em princípio, obrigatória para todo e qualquer contrato com a Administração, mas a Lei das Licitações introduziu algumas exceções, onde o procedimento é facultativo (especialmente para contratos de baixo valor ou urgentes, onde a organização de uma licitação é impossível, ou pode prejudicar a solução dos problemas visados).

A Lei prevê diferentes espécies de procedimentos: a mais complexa é a concorrência pública, que é também a aplicável para a seleção de executores de serviços públicos. Aqui, o procedimento tem duas fases: na primeira (fase de habilitação), os proponentes que não conseguem preencher os pré-requesitos legais, financeiros e técnicos exigidos são preliminarmente desqualificados. Os proponentes qualificados avançam para a segunda fase (fase de seleção), onde nenhum deles pode mais ser desqualificado com base nos pré-requesitos habilitatórios (a menos que a falsidade de uma informação relevante para a qualificação for descoberta depois). Nessa segunda fase, as propostas são abertas publicamente e classificadas conforme os critérios anunciados no edital. O primeiro colocado adquire o direito de preferência para a contratação pela Administração Pública (nos termos exatos de sua proposta), e também já tem a obrigação de assinar o contrato quando convocado: sua recusa está sujeita a punição severa.

O edital tem uma papel central em todo o processo, uma vez que estabelece as regras para qualquer medida ou ação durante o processo licitatório. Assim, o edital é dito constitui a ?lei interna? da licitação, e seus conteúdos mínimos estão definidos na Lei das Licitação e na das Concessões. Qualquer desrespeito às regras estabelecidas pode (e deve) implicar na anulação de todo o processo (Wald et al. 1996, Bandeira de Mello 1995).

Quando tudo der certo, a licitação é coroada com a contratação do vencedor. O contrato de concessão estabelece os elos entre o Poder Público e o contratado, definindo o objeto do contrato, seu prazo, os direitos, as competências e obrigações de cada parte, o preço e regras de ajuste, as garantias, os caso e procedimentos de extinção do contrato e as devidas compensações, as medidas de controle de qualidade, e outros aspectos relevantes previstos pela Lei e os regulamentos (Wald et al. 1996).

A Lei das Concessões fixou também os conteúdos mínimos para os termos contratuais, e uma minuta do termo definitivo deverá já estar publicada no edital. Os contratos são considerados como pessoais e não transferíveis (muito embora a subcontratação e a subconcessão podem ser admitidas pelo Poder Concedente) Pela referida Medida Provisória n( 1531/96, a extensão do período contratual requer que a parte contratada ofereça uma vantagem econômica para o Poder Público. De uma forma geral, o concessionário não faz jus a qualquer direito de exclusividade, a menos que esteja comprovada sua necessidade para a viabilidade econômica do contrato.

A obrigação principal do concessionário é de executar o serviço de acordo com as prescrições do Poder Público, e de colaborar com os procedimentos de controle operacional. A Lei estabelece o direito do usuário ao serviço ?regular, contínuo, eficiente, seguro, acessível, oferecido de forma cortês e com preço moderado (art. 6 da Lei das Concessões). O usuário também goza do direito de participar no controle do serviço e de acessar qualquer informação relevante para a defesa de seus interesses.

O contrato de concessão pode ser extinto por diversas razões. O caso mais simples é a expiração do prazo contratual. Mas o Poder Público pode também terminar o contrato antes do prazo, nos casos de a) interesse público, mesmo que o contratado não tenha cometido nenhuma falta (nesse caso, ele faz jus a uma indenização); b) o concessionário ter cometido uma falta grave (de acordo com o termo contratual e a regulamentação); c) anulação da concessão por falha processual; e d) extinção do concessionário. Por sua vez, a empresa contratada poder também iniciar a extinção do contrato, se comprovar o inadimplimento contratual por parte das autoridades (entretanto, para tal fim, ele tem de acionar o Poder Concedente na Justiça, e manter a operação até o julgamento final da ação). Uma vez o contrato extinto, as autoridades devem assumir a operação dos serviços (e igualmente as instalações), até o novo contrato ser assinado.

Algumas considerações sobre a política tarifária: tal como mencionado acima, a legislação brasileira sobre os contratos administrativos segue a doutrina francesa, pela qual a empresa contratada tem direito ao equilíbrio econômico e financeiro, como contrapartida aos poderes especiais (?exorbitantes?) da Administração Pública, especialmente de modificar ou suspender o contrato (Bandeira de Mello 1995, Sundfeld 1994, Tacito 1961). Esse princípio foi confirmado pela mais recente Constituição.

Na prática corrente do setor de transportes, e de acordo com esse princípio jurídico, os operadores são remunerados pela tarifa, que é determinada pelo Poder Público e é calculado com base em uma planilha de custos, que leva em consideração os custos variáveis e fixos, e os divide pelo número de passageiros. Embora esse sistema de remuneração tem garantido aos operadores preços realmente compensadores, ele vem sendo alvo de muitas críticas por não encorajar a eficiência econômica do setor (Orrico Filho et al. 1998). Ao contrário, algum ganho de eficiência por parte das empresas mais modernas não tem sido transferido para a sociedade, e sim, retido por essas, uma vez que a tarifa é calculada com base nos custos médios do sistema. Portanto, pode-se deduzir que a existência de empresas pouco produtivas é de interesse das mais avançadas.

O novo quadro legal desafia tal política, uma vez que prevê, em princípio, que a tarifa deve ser definida pela proposta vencedora; a Lei das Concessões até proíbe a definição, em lei, de uma política tarifária (art. 8). Evidentemente, uma obediência estrita a essa regra significaria uma mudança radical para todo o setor de ônibus, tornando até impossível a adoção de uma política uniforme, integrada, para uma mesma área urbana. Como resultado, isso poderia acarretar prejuízos para os próprios passageiros.
Uma maneira de contornar essa dificuldade seria a utilização do critério de seleção pela maior oferta pecuniária ao Poder Público, resgatando a competência do Poder Público de definir a tarifa: pois não faria sentido nenhum, se o vencedor ganha a licitação com base na maior oferta e depois  a ?recupera? na tarifa, aumentada.

Como será discutido, os empresários brasileiros acompanham a alvorada do novo regime com muita apreensão. Igualmente apreensivos estão os responsáveis pelo gerenciamento público, pois a aplicação do novo regime irá acarretar mudanças profundas na organização administrativa. Assim, uma preocupação central nas discussões sobre o novo regime concessionário tem sido como cumprir as novas normas, sem alterar substancialmente a antiga realidade (plus ça change...).

Com vistas a resolver problemas da transição (especialmente respeitar direitos de contratos ainda vigentes), a Lei das Concessões previu, em seu art. 42, que as atuais permissões precárias, que constituem ainda o instrumento mais usual de outorga, continuarão a viger até que estudos preparatórios necessários para a realização das licitações tenham sido realizados, e esse prazo de transição será de, no mínimo, 24 meses a partir da promulgação da Lei. Surpreendentemente (talvez até não...), a Lei não estabeleceu nenhum limite superior a esse prazo preparatório!

Mas antes de debruçarmos detalhadamente sobre as reações das empresas e dos órgãos de gerência, analisemos mais a fundo a atual situação da regulamentação e permissão dos serviços de ônibus urbano.

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Há, hoje, real competição no transporte público urbano brasileiro?

Analisando a atual situação institucional do transporte público urbano, no Brasil, podem ser percebidos os seguintes traços característicos (Aragão 1998): Mesmo nas cidades, onde as autoridades assumem uma posição mais dominante na administração dos serviços públicos de transporte, os procedimentos de contratação raramente obedecem estritamente as regras formais do Direito Administrativo: muito poucas empresas passaram alguma vez por uma licitação, tendo ?herdado?, na maioria das vezes, as permissões ou concessões décadas atrás, de companhias antecessoras.

Com relação ao instrumento formal de contratação, na maioria das cidades, os operadores possuem uma permissão; algumas, uma concessão. Esse último instrumento garante uma estabilidade maior ao operador, na medida em que ele pode requerer indenizações no caso de uma interferência administrativa que lhe tenha acarretado prejuízos. De uma maneira geral, o objeto do contrato consiste de linha; já em algumas cidades, consiste na operação de um determinado lote de veículos (p.ex. Brasília) ou de uma área (p.ex. Campinas). No caso de contratos com prazo definido, o mesmo é geralmente prorrogado incondicionalmente por outro prazo igual. Mas na realidade, em muitas cidades as empresas trabalham em uma situação de virtual informalidade, eis que os termos contratuais são extremamente superficiais, indicando quando muito o nome da companhia, seu(s) proprietário(s), o objeto (linha ou área) e (nem sempre) o prazo da outorga.

Como conseqüência desse processo essencialmente não-competitivo, os operadores têm consolidado, nas cidades onde operam, estruturas quase que cartelizadas, compostas por um conjunto de operadores dominantes e um número maior de empresas de menor porte. A sobrevivência dessas é importante para as grandes empresas, na medida em que elas aumentam os custos operacionais médios, com base nos quais as tarifas são calculadas. Assim, os operadores de maior porte podem se beneficiar exclusivamente de seus custos internos menores, com mínimo de repasse dos ganhos de eficiência para a sociedade.

Com lastro em um estudo realizado em oito áreas metropolitanas brasileiras, Orrico Filho et al.  (1998) detectaram a seguinte situação:

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O que podemos esperar, agora?

A situação descrita na seção anterior refere-se aos dias de hoje, enquanto a nova legislação não se tornar amplamente aplicada. Evidentemente, é de se esperar que essa ampla aplicação implique em mudanças profundas tanto nas empresas quanto nas próprias administrações públicas, mesmo adotando-se as opções mais conservadoras abertas pela legislação, tais como a seleção pela máxima oferta pecuniária, que ainda resgata a competência do Poder Público em determinar as tarifas.

Entretanto, o novo regime tende a arrancar as empresas de sua estabilidade letárgica (que, inclusive, já hoje verifica ser falsa, dado o desafio recentemente colocado pelo transporte ilegal). As operadoras, pois, passarão a ter de lutar por um contrato que parecia assegurado eternamente. Especialmente o uso de critérios econômicos de seleção haverá de transtornar as empresas de gerência mais tradicional (ou seja, as mais atrasadas), que estavam acostumadas de transferir calmamente sua ineficiência para o custo do sistema.

Por outro lado, o Poder Público haverá de sofrer uma restruturação profunda, uma vez que novas e complexas tarefas terão de ser dominadas, tais como a execução freqüente de processos licitatórios (que haverão de obedecer estritamente à letra da Lei, cheia de detalhes, uma vez que qualquer deslize poderá acarretar a anulação do custoso processo), assim como a administração dos novos contratos, que haverão de ser mais formais e rigorosos. Esses contratos sujeitarão, de um lado, os operadores a uma disciplina mais rigorosa no tocante ao cumprimento das normas; mas, de outro, consolidarão seus direitos frente às autoridades.

Contudo, o novo regime pode resultar em uma simplificação de algumas rotinas de controle, uma vez que o Poder Público haverá de se concentrar nas variáveis realmente relevantes para a qualidade do serviço, deixando maior espaço para a decisão empresarial. O uso extensivo de tecnologias de informática pode contribuir para essa tendência. Por fim, pode-se prever que o novo regime irá acarretar uma migração interna de pessoal entre os departamentos dos órgãos de gerência, liberando mão-de-obra dos setores que terão suas tarefas simplificadas, e alimentando aquelas atividades relevantes que necessitarão um aumento dos recursos humanos.

De uma maneira geral, e apesar das dificuldades, o novo regime deverá produzir resultados positivos e importantes, especialmente pela transferência dos ganhos de eficiência para a sociedade. Mas o Poder Público e as empresas estarão igualmente no lado dos beneficiados, uma vez que suas relações mútuas tornar-se-ão mais transparentes.

Analisando todo o setor de ônibus urbano, o novo regime reforçará a consolidação e o crescimento dos grupos empresariais modernos, lhes abrindo novos mercados por todo o país e até no estrangeiro (portanto, o novo regime pode ser considerado como uma escola para a competitividade global). Para as empresas mais atrasadas, as alternativas restantes serão se vender para as empresas vencedoras, procurar novos nichos no transporte de passageiros, (turismo, transporte escolar, entre outros) ou, porque não, celebrar contratos de franquia  com as empresas de know-how mais avançado e que não tenham planos de expansão física, além de serem subcontratadas pelas empresas maiores.

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